Disse que queria ser Deng Xiaoping mas é Kim Jong-un

A consultora Economist Intelligence Unit (EIU) alertou, no seguimento da terceira tranche de apoio do Fundo Monetário Internacional, que Angola pode entrar em incumprimento financeiro (“default”) devido ao elevado nível de pagamentos de dívida e à forte dependência das receitas petrolíferas. E de quem é a culpa? Antes era de Jonas Savimbi e agora é, obviamente, de Isabel dos Santos.

“Depois de Angola não ter conseguido cumprir vários das metas do Programa de Financiamento Ampliado (PFI) do Fundo Monetário Internacional, o FMI concordou com novos objectivos; nós salientamos que o nível de pagamentos de dívida é elevado, e assim sendo, o risco de Angola entrar em incumprimento financeiro [‘default’, no original em inglês] é elevado, devido à forte dependência de receitas do petróleo”, diz a EIU.

Numa nota de comentário à aprovação do terceiro desembolso pelo FMI ao abrigo do programa de assistência financeira, em Dezembro de 2019, no valor de quase 250 milhões de dólares, cerca de 221 milhões de euros, os peritos da unidade de análise económica da revista britânica The Economist escrevem que “o calendário foi alterado e novas metas foram definidas, destinadas a apoiar a consolidação e a transparência, e para apoiar a reestruturação do sector financeiro”.

Na análise, enviada aos clientes, a EIU mostra-se preocupada com o aumento do rácio da dívida pública face ao PIB e com o elevado peso do fardo da dívida quando comparado com o total de receitas, factores que considera podem fazer o país cair em incumprimento financeiro.

“O nível de dívida pública aumentou para uns estimados 90,1% do PIB, quando estava em 35% em 2013, e o serviço da dívida representa 56,8% da despesa total prevista no Orçamento para 2020”, escreve a EIU, avisando que “uma gestão cuidadosa deste portefólio e dos futuros financiamentos da dívida serão críticos se Angola quiser evitar um nível ainda mais oneroso de dívida ou o risco de incumprimento financeiro”.

No princípio de Dezembro, o FMI anunciou que tinha aprovado a segunda etapa do PFI, e alertou que “a dívida de Angola permanece sustentável, mas o rácio da dívida pública face ao Produto Interno Bruto aumentou substancialmente, e os já de si elevados riscos subiram ainda mais”.

Nessa análise, os técnicos do Fundo reviram também a previsão de evolução de dívida pública em Angola, estimando agora um rácio de 111% face ao PIB, que deverá descer para cerca de 70% até final do programa de ajustamento, em 2024.

“O rácio de dívida face ao PIB para o final de 2019 deve chegar a 111%, reflectindo principalmente a rápida depreciação da moeda neste trimestre”, lê-se no documento, que alerta que “como os preços globais do petróleo devem continuar baixos, os indicadores do peso da dívida vão manter-se elevados”.

A dívida angolana “continua altamente vulnerável a choques macroeconómicos e orçamentais, com os principais riscos para a sustentabilidade da divida a virem de uma depreciação da taxa de câmbio mais rápida que o previsto, mais declínios nos preços ou na produção petrolífera, uma possível deterioração no acesso aos mercados financeiros, e à materialização de riscos vários, incluindo de dívida garantida” pelo Estado.

Na análise ao programa, datada de Dezembro, mas que resulta das reuniões entre o FMI e as autoridades angolanas, em Luanda, em Novembro, o FMI afirma que “há múltiplos esforços em curso para lidar com os riscos da sustentabilidade da dívida”.

O cenário base do Fundo aponta para um declínio da dívida para 70% do PIB em 2025, cinco pontos percentuais acima do objectivo de médio prazo, e é sustentado pelas grandes receitas petrolíferas – dois terços do total das receitas -, “o que ajuda a limitar a dinâmica da dívida às flutuações cambiais”.

Além disso, acrescentam, esta previsão de redução do rácio da dívida pública é apoiada “pelo contínuo esforço orçamental e por um crescimento económico maior, suportado por reformas estruturais e uma taxa de câmbio mais competitiva”.

Ao mesmo tempo, argumenta o FMI, “o rácio de dívida temporariamente elevado aumenta as vulnerabilidades às flutuações do preço do petróleo, o que requer uma monitorização atenta e acções correctivas imediatas de os choques adversos se materializarem”.

Em termos de previsões macroeconómicos, o Fundo estima que a economia deverá ter tido uma nova recessão, de 1,1%, em vez de um crescimento de 0,3% anteriormente estimado para 2019, e este ano deverá crescer apenas 1,2%, e não os 2,8% previsto pelo FMI em Junho.

“A actividade económica é mais fraca que o esperado”, admitem os técnicos do FMI, apontando que “relativamente às projecções da primeira revisão, o crescimento será mais baixo em 2019 e 2020 devido à produção petrolífera abaixo do esperado”.

Até chegar ao Poder, João Lourenço (como todo o MPLA) tinha um inimigo que lhe tirava o sono, mesmo não passando de um fantasma: Jonas Savimbi. No entanto, descobriu que – pelo sim e pelo não – era urgente encontrar um (ou mais) bode expiatório vivo para os sucessivos fracassos, para a descoberta de muitos dos seus telhados de vidro, para justificar junto do Povo, mas sobretudo da comunidade internacional que lhe empresta milhões, a razão pela qual a montanha vai parir um rato.

E então quem melhor do que a família Dos Santos (que ele próprio reverenciava num paradigmático culto canino) para “desempenhar” esse papel? Sendo o patriarca já um ancião, João Lourenço elegeu os seus filhos, dando especial relevo a Isabel dos Santos que, mais a nível internacional, tem demonstrado que o rei vai nu e que quem nasce lussengue nunca chegará a ser jacaré… por muitos esteróides anabolizantes que lhe injectem.

João Lourenço conta agora com novos aliados na sua suposta senda de justiceiro. Todos (ou quase) os que criticaram (desculpem a imodéstia, mas nesta matéria de críticas o Folha 8 está no pódio e mantém-se onde sempre esteve) José Eduardo dos Santos por décadas de actividades cleptocráticas estão agora rendidos a João Lourenço. Para estes, quem roubou uma vez é ladrão para sempre, e quem ficou a proteger o ladrão é um herói. E no rol de crimes figuram todos os roubos, mesmo os que não cometeu, mesmo os que o não foram por estarem respaldados na lei.

Isabel (dos Santos) passou a ser sinónimo de crime pela mão do “juiz” João Lourenço. “Juiz” que antes foi vice-presidente do MPLA, ministro de Dos Santos, propagandista da capacidade do “arquitecto da paz” e do “escolhido de Deus”.

O Folha 8 foi dos que mais criticou Isabel dos Santos. Continuaremos a fazê-lo se existir matéria de facto para isso. Mas se ladrão tanto é o que entra no galinheiro como o que fica à porta, quantas vezes o justiceiro João Lourenço, enquanto vice-presidente do MPLA, enquanto ministro, enquanto alto dirigente do partido, ficou à porta?

Seria para nós fácil continuar a culpar Isabel dos Santos, tornando-a o único bode expiatório dos enormes crimes cometidos em Angola em dezenas de anos, branqueando os principais responsáveis. Para além de fácil dar-nos-ia milhões de felicitações por parte de João Lourenço. Talvez não tivéssemos peito para tantas medalhas…

Isabel dos Santos, enquanto empresária, chegou a ameaçar levar o Estado angolano a tribunal, depois da decisão do Presidente João Lourenço de anular contratos milionários que tinham sido entregues a empresas suas pelo ex-presidente do país, o seu pai.

Convenhamos que Isabel dos Santos é suficientemente inteligente para saber que os tribunais angolanos, nesta como noutras matérias, se limitam a encontrar matéria de facto que consubstancie o veredicto que lhe seja ditado antes mesmo de analisar qualquer queixa. Era assim no tempo do seu pai, é assim agora no tempo de João Lourenço.

Mais do que levar o Estado (isto é, o MPLA) a tribunal, Isabel deveria contar-nos (em livro, por exemplo) tudo o que sabe da promiscuidade criminosa entre dirigentes do partido/Estado/Governo, entre o seu pai e João Lourenço, os acordos firmados, o papel dos serviços de informação etc. etc..

Folha 8 com Lusa

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